Ano de 2006
Neste ano fatídico fui amarrado aos trilhos do trem pelo perverso vilão de fraque e cartola, Tião Gavião, enquanto minha então doce noiva Desilú era seviciada pelos Irmãos Bacalhau. Foi enquanto chorava uma raiva pura e vingadora, dada a inversão da ordem natural, que ambos fomos salvos pelo agente da patrulha do tempo.
Ano de 2030
Já com emprego garantido na Patrulha do Tempo me desloquei para o ano de 1870, onde entretive breve conversa com o Padre Cícero defronte ao Colégio Ibiapina em Crato, Ceará. Espantei-me com sua revelação dos sonhos proféticos que lhe aterrorizavam as noites, bem como das importunas visitas que lhe fazia Lúcifer. Não era ao demônio, em si, que Cícero temia, mas a sua eloquência que sentia que o minava por dentro.
Ano de 12138
Em visita ao ano 12138 (2227 da era civil iniciada pela corte de Fredrico Silvassen em Alfa do Centauro) foi-se-me apresentado pela Padra Pomona, pároca de Argalau, ao próprio Lúcifer, então administrador de Marte. De prosa amena e afável, permitiu-se breves digressões sobre suas aventuras de mocidade.
“Um homem que poderia ser melhor se não o deformasse o péssimo gosto na escolha de suas batinas”, respondeu-me quando lhe perguntei sobre Cícero, obscuro religioso de nosso conhecimento.
Anos de 22217
Em MichelTemer III, planeta orbitante da estrela primária de Delta Pavonis, obtive relativo sucesso em espinhosa missão de evitar a um atentado terrorista em BeataMocinha, a capital. Subsidiou-me com auxílios de grande bravura o Padre Cícero que, ó surpresa, descobri ser também agente da Patrulha do tempo.
Ano de 1970
Em missão no Rio de Janeiro conheci a Vicente Sesso, ocasião em que sugeri a ele, em amistosa tarde no Boteco de Adalberto em Jacarepaguá, o título Pigmalião 70 para a novela cuja sinopse me apresentara, encomendada a ele pela Rede Globo.
Ano de 1969
Visitei-me no passado, incógnito. E assisti a mim mesmo, com os meus doces sete anos a olhar para o céu, vendo a faixa verde iridescente, como um meteoroide escroto em rumo contrário, subindo para o céu. Meu pai nos disse então que era apenas e tão somente uma coisa de Deus, ao qual um nosso vizinho objetou que eram os astronautas indo pra Lua. (meu pai, respeitosamente, aceitou a hipótese tosca, pois que era de bons bofes, apesar de católico medroso).
Ano de 1973
Vi os assombrosos seios de Dona Rosa, minha professora, sobressaindo em seu indecoroso decote. Fingi que não eram meus os seus perfumes, mas mentia.
Ano de 1971
Ouvi pela primeira vez a Borsalino Blues, de Claude Bolling, no comercial televisivo das camisetas Hering.
Ano de 1984
Meu primeiro artigo como crítico de cinema. O filme era Zelig, de Woody Allen e a revista foi a efêmera Cinemin. No mesmo ano fui apresentado a Yukio Mishima por meu amigo A. S. O.
Ano de 7818
Lisboa, no que restou do cais da Almada. Recuperei a mensagem do extraterrestre envolta em resina antiga, dentro da noz fóssil que a continha em seu emaranhado proteico de bilhões de enzimáticos caminhos.
Entregue por um condenado à inquisição a seu carcereiro. Dizia em sua introdução: “nós, os que compartilhamos a morte e uma missão de morte, informamos a nossos Primeiros…”
Ano de 28
Após a prisão de Yeshua ben Youssef, o Jesus, dito o Cristo, dirigi-me ao pátio do palácio do sumo-sacerdote onde fui confrontado por uma criada que me reconheceu o sotaque galileu.
Ano de 1543
Neste ano, em missão na Espanha, desposei Doña Leonor de Cortinas, que fiz infeliz e senhora de grandes preocupações. Nosso filho Miguel me disse aos quinze anos que “Deus iluminava tudo o que encontrava no seu caminho com alegre indiferença”. Tornou-se soldado da aventura após desilusão amorosa com certa camponesa de El Toboso e escreveu-lhe um poema hoje perdido: no dejes de mirarme.
Ano de 3761 AC
Breve interlúdio, onde trabalhei como copista do Arcanjo Gabriel, transpondo sua narrativa do início dos tempos: Bereshit ou o Gênesis. Um crítico salientou a liberdade de ação das personagens, duvidando e hesitando diante de decisões. Entretanto, acrescento que se tratou apenas de quebra estilística das falas em detrimento do ritmo, do enredo. Na mesma época aconselhei Eva a abandonar a discussão teórica e colocar Adão diante de um fato consumado: então, o Fruto Proibido.
Ano de 1203 AC
Náufrago em uma ilha do mar Jônico, em missão de resgate da agente Calypso, vi em um crepúsculo inesquecível, ao longe, a passagem da nau esfrangalhada de Odisseu.