Nada tenho contra o Brasil. De fato, até mesmo gosto do Brasil. Gosto do Batman também, e da cultura de massa e do super-amendoim e de Spock, filho de Sarek. Gosto da flor e do violão e gosto da imagem de José Genoino fumando um cigarro ao ser preso, onde foi mesmo?, na guerrilha do Araguaia?
E gostei e gosto de João Só e do Romance da Pedra do Reino de Suassuna. E gosto de T. S. Eliot e do seu Old Possum’s Book of Practical Cats e do musical que veio depois. E de João Cabral de Melo Neto e de João Donato e de Joyce, que me encantou ao compor o Samba do Joyce. Quem já pensou em escrever um samba para James Joyce, o pai do Ulysses e do Finnegan´s Wake? Joyce fez, pensou, cantou.
Samba, samba
Quando James Joyce ouviu um samba, samba
Descobriu que a lapa era na Irlanda, landa
Molly Bloom virou Carmen Miranda, randa
Ele então juntou corda e caçamba, samba
Resolveu sair atrás da banda, banda
Foi no adamastor pra madureira, será?
E gosto de Joaquim Nabuco e de Cacaso e de Capinam e de Tom Zé e de Jards Macalé.
Nada tenho contra os Estados Unidos. E nada tendo, posso gostar com calma e verve de Thelonious Monk e do seu piano maravilhoso em Lulu´s Back in Town. E de Cole Porter e Herman Melville, o sujeito com o melhor começo de livro que conheço. Está lá, em Moby Dick: Call me Ishmael. Some years ago…
E gosto do Quixote e gosto de Luis Gonzaga peneirando o xerém.
Nada tenho contra Israel. Então posso gostar de Moisés Maimônides, do Dibuk, de Isaac Bashevis Singer. E, talvez melhor, posso gostar de Jorge Luis Borges gostando de Espinosa:
Las traslúcidas manos del judío
labran en la penumbra los cristales
y la tarde que muere es miedo y frío.
(Las tardes a las tardes son iguales)
E de Machado de Assis gostando de Espinosa:
Gosto de ver-te grave e solitário
Sob o fumo da esquálida candeia
Nas mãos a ferramenta do operário
E na cabeça a coruscante idéia
E gosto de gostar de William Blake e seu Tyger, tyger, burning Bright, e de Yukio Mishima, o mais galante suicida de todos os tempos.
Mas, principalmente, volto ao início: nada tenho contra o Brasil. Não acho que seja esta uma época de decadência, não acho que os monstros saíram do armário, não acredito que o ódio virou passatempo.
Acredito no tempo e acredito na sabedoria do tempo, que passa e que nivela.
Acredito nas pessoas boas, de boa vontade.
E que herdarão a terra.